Um crime ou dois? Entenda o debate jurídico que pode aliviar a pena de Bolsonaro

O julgamento da chamada trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona uma discussão jurídica central: afinal, os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito devem ser tratados como condutas distintas ou como um único delito?

A resposta tem impacto direto na pena do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus. Isso porque, se reconhecida a absorção de um crime pelo outro, a condenação poderia resultar em punições mais brandas.

A tese da defesa

A defesa de Bolsonaro sustenta que houve uma tentativa de punição em duplicidade. Para os advogados, a abolição violenta só poderia ocorrer por meio de um golpe de Estado, o que faria com que um delito fosse “meio necessário” para o outro. Nesse raciocínio, não se trataria de duas infrações autônomas, mas de um único crime.

Esse argumento ecoa manifestações anteriores do ministro Luiz Fux, que já apontou risco de dupla condenação em situações semelhantes. Ele pode ser a principal voz a endossar a tese no julgamento atual.

O entendimento de Moraes e Dino

Relator da ação penal, o ministro Alexandre de Moraes rejeitou a ideia de absorção. Em seu voto, destacou que os dois crimes têm núcleos distintos:

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal) ocorre quando há tentativa de restringir ou suprimir o funcionamento dos Poderes constituídos, como o STF e o Congresso. O alvo central é a própria estrutura institucional que garante a democracia.
Golpe de Estado (art. 359-M) busca derrubar ou impedir a posse do governo eleito. O sujeito passivo é o Executivo, diretamente afetado por uma tentativa de tomada de poder.

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Flávio Dino, segundo a votar, acompanhou Moraes. Ele ressaltou que se tratam de crimes de empreendimento, nos quais não é necessário que o resultado se concretize. Para Dino, os atos praticados não foram meras cogitações, mas sim atos executórios, que configuram violência e grave ameaça contra as instituições.

Exemplos práticos

Nos autos, as provas apontam que houve ataques simultâneos ao Judiciário — com tentativas de deslegitimar o STF e o TSE — e ao Executivo — ao planejar impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para Moraes, essa combinação evidencia que ambos os crimes ocorreram de forma independente.

“O réu Jair Messias Bolsonaro queria o apoio do Exército para reverter o resultado eleitoral, impedindo a posse ou a continuidade do exercício do presidente e vice eleitos. Na história do mundo, no direito comparado, isso tem um nome só: golpe de Estado”, afirmou o relator.

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Dino reforçou que a violência esteve presente em toda a trama, desde os acampamentos em frente a quartéis até planos como o chamado “Punhal Verde e Amarelo”. “Não considero que nós tivemos meros atos de preparação, e sim atos executórios”, disse.

O que está em jogo

Caso prevaleça a visão de Moraes e Dino, Bolsonaro e os demais réus poderão ser condenados pelos dois crimes de forma autônoma, o que aumenta a possibilidade de penas mais severas. Se a tese da defesa for acolhida, a pena pode ser reduzida pela metade.

O voto de Luiz Fux é considerado decisivo para definir a direção desse debate. Embora dificilmente absolva o ex-presidente, o ministro pode relativizar a interpretação e se alinhar, em parte, à argumentação da defesa.


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