Arapoti é um pequeno município do Paraná, localizado a cerca de 220 quilômetros da capital Curitiba. Com cerca de 25 mil habitantes, a cidade florida ostenta um título que talvez pouca gente conheça: é a maior produtora de mel do Brasil. A doçura do local, no entanto, ganhou um leve amargor neste mês: o tarifaço de 50% imposto por Donald Trump, que deve bagunçar a vida dos produtores rurais e a economia local.
A cidade tem cerca de 280 produtores rurais, quase todos da agricultura familiar, segundo dados de entidades locais da região. Só em 2024, Arapoti produziu pouco mais de 900 toneladas de mel, o que representa 1,5% dos 61 mil toneladas produzidos no Brasil, conforme dados do governo federal. Em valores, isso equivale a cerca de R$ 11 milhões.
Cerca de 80% desse mel é exportado para os Estados Unidos – mesma proporção observada nacionalmente. Com as novas tarifas americanas, porém, os ganhos das famílias com o alimento das abelhas estão sob ameaça. Em Arapoti, o mel representa quase 1% do PIB municipal, estimado em R$ 1,31 bilhão.
Oportunidade única
Cartão Legacy: muito além de um serviço

“A gente faz projetos, investe em genética e em abelhas que sejam produtivas e rentáveis, e aí vem tarifaço e deixa a gente perdido. Essas decisões do Brasil e EUA não atrapalham só a nossa vida, mas a de todo mundo”, disse o apicultor Ismael dos Santos Costa, 64 anos, ao InfoMoney.

Costa conta que inicia a produção do ano ainda em outubro ou novembro do ano anterior, período da florada do capixingui, árvore típica da região com flores amareladas repletas de pólen e néctar – um verdadeiro banquete para as abelhas. Também há produção durante a primavera e floradas de laranjeira, eucalipto e outras espécies.
Ele produz sozinho cerca de 30 toneladas por ano. Em sua chácara de 3 alqueires, mantém cerca de 100 colmeias, além de outras 550 a 600 espalhadas por áreas da empresa Klabin (KLBN11).
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A companhia produtora e exportadora de celulose disponibiliza parte de seus 719 mil hectares de floresta plantada (42% de áreas conservadas, segundo seu site) para que apicultores da região instalem suas caixas com os insetos.
A cidade toda contabiliza 130 mil colmeias no total, das quais 110 mil estão ativas. Os produtores locais trabalham com abelhas africanizadas, introduzidas no Brasil nos anos 1950 após fugirem de um experimento científico. Uma colônia tem cerca de 60 mil indivíduos e produz 30 kg de mel por ano, segundo dados da Embrapa. As caixas de abelhas sem ferrão, nativas do Brasil, tem uma ”linha de produção” menor: são 3 mil insetos que geram em torno de 4 kg de mel no mesmo período.
Risco na sustentabilidade dos pequenos produtores
Toda a produção de mel orgânico de Arapoti é vendida a empresas exportadoras. Mas essas firmas já começaram a reduzir as compras na região, segundo Ricardo Rodrigues Pedroso, presidente da Associação de Apicultores e Meliponicultores Campos Floridos (Aapicaf). Isso coloca em risco tanto a competitividade do mel brasileiro quanto a sustentabilidade dos pequenos produtores.
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“Muitos dos produtores que produzem mel dependem só disso. Então, essa tarifa de 50% vai gerar um prejuízo grande. Eles têm custeio de lavoura, custeio de abelha, têm investimento. Vai ser difícil para pagar e pode virar uma bola de neve gigante”, afirmou. “Apelo as autoridades para que busquem, por meio do diálogo diplomático e comercial, a reversão dessa medida”.
O produtor Costa também está apreensivo. “Eu, com quase 65 anos de idade (seu aniversário é agora em agosto), nunca me preocupei com o sistema econômico do país porque sempre tivemos uma crise aqui e ali, mas era coisa que a gente superava. Agora o cenário, principalmente no nosso produto, é muito complicado, porque a gente exporta 80%. Então, preocupa muito”, disse ele, que desde os 12 anos nutre amor pelos abelhas.
Abrir mercados em outros países: um desafio
O pouco do mel brasileiro que não vai para os EUA é exportado para Alemanha, Canadá, Austrália e Reino Unido, segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel. Os americanos são os maiores compradores por oferecerem melhor logística de exportação e exigirem menores níveis de resíduos de glifosato, herbicida amplamente usado no mundo.
“O mercado europeu exige zero traço dessa substância no mel – o que é praticamente impossível de garantir, porque o glifosato está presente em quase todo lugar, até em áreas onde não deveria aparecer. Nos EUA, o limite passou de 70 mil para 20 mil partes por milhão. Portanto, não há alternativa hoje para escoar o excedente no mercado europeu ou em outros países se o mercado americano for fechado”, disse Edmilson Aparecido Chaves, 57 anos, proprietário da Apis Nobre Brasil, empresa que atua com exportação de mel. Dos 280 produtores de Arapoti, 137 estão integrados à sua firma.
Apesar das dificuldades, há tentativas de diversificação. Pedroso, da Aapicaf, contou que enviou amostras do mel de Arapoti para o Líbano na semana passada. “Os países árabes são mais flexíveis com relação às regras de exportação”, afirmou. Além disso, o Oriente Médio tem apreço por questões religiosas, disse Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel) em nota sobre missão empresarial recente à região. “O valor nutritivo e medicinal do mel é citado no Alcorão, na surata (capítulo) chamada ‘As Abelhas’”.
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Exportações brasileiras de mel em 2024
País | Valor (US$ mil) | % do total |
---|---|---|
Estados Unidos | 28.397 | 81% |
Canadá | 3.420 | 10% |
Alemanha | 1.383 | 4% |
Reino Unido | 986 | 3% |
Austrália | 280 | 1% |
Outros | 284 | 1% |
Dinamarca | 97 | 0% |
China | 130 | 0% |
Bélgica | 78 | 0% |
Panamá | 9 | 0% |
Total | 35.065 | 100% |
Escoar a produção no Brasil?
Aumentar o consumo interno também está no radar, segundo Mariana Santana Scheibel, gestora de projetos de agronegócios da Regional Centro do Sebrae/PR. Mas essa questão é pouco mais complexa porque esbarra em questões históricas e culturais.
O consumo de mel no Brasil sempre foi historicamente baixo, falou a especialista. Desde a colonização, a cana-de-açúcar foi amplamente incentivada e o açúcar virou o adoçante preferido dos brasileiros – diferentemente de países como os EUA, onde o mel é usado de forma mais abrangente.
“Esse padrão é reflexo de fatores históricos, econômicos e culturais que ainda impactam o consumo hoje. É uma questão cultural difícil de mudar, mas podemos começar a incentivar o uso do mel na gastronomia para tentar transformar, aos poucos, o perfil do consumidor”, diz Mariana.
Ela afirma que o Sebrae tem atuado com os produtores da região para fortalecer o mercado local, tanto com exportação como para vendas no Brasil. As ações envolvem aumento de produtividade, gestão, organização em associações e cooperativas, acesso a mercado, criação de marca e diversificação da atividade.
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Um exemplo desse aproveitamento é o uso das colmeias fora da safra de mel: nesse período, as abelhas são direcionadas à prestação de serviços de polinização em lavouras da região. A prática faz todo sentido, já que, de acordo com a Embrapa e organizações internacionais, esses insetos são os principais polinizadores de plantas cultivadas e silvestres em todo o planeta.
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