Após a prisão da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) na Itália, as autoridades do país europeu devem decidir nas próximas horas se ela permanecerá detida, se poderá cumprir prisão domiciliar ou se a parlamentar será libertada. Zambelli deixou o Brasil há dois meses após ser condenada a 10 de prisão pela invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Zambelli deve passar por uma audiência dentro de 48 horas para que o Ministério da Justiça italiano confirme ou não a validade da prisão. Caso a prisão seja confirmada, a Corte de Apelação em Roma deverá analisar o pedido de extradição. Após a notificação sobre a prisão, o pedido de extradição deverá ser formalizado pelas autoridades brasileiras no prazo de 45 dias.
O Ministério Público italiano e a defesa da deputada também deverão se manifestar. Segundo o governo, se o pedido não for formalizado, o “indivíduo poderá ser colocado em liberdade no país requerido e outra solicitação de prisão preventiva somente será aceita após a formalização do pedido extradicional”.
A parlamentar e seu advogado, Fabio Pagnozzi, afirmam que ela se entregou às autoridades. Já a Polícia Federal sustenta que a deputada foi presa em uma operação conjunta realizada nesta terça-feira (29) com a Interpol e agências da Itália. O processo de extradição, caso a Justiça italiana aceite o pedido, pode levar meses e, na prática, não considera apenas o Tratado de Extradição firmado entre os países em 1989.
Inicialmente, Carla Zambelli foi para os Estados Unidos, mas decidiu ficar na Itália, justamente por ter cidadania italiana. No dia 3 de junho, quando anunciou sua saída do Brasil, a deputada disse que seria “intocável” na Itália por ter o documento. “Eles vão tentar me prender na Itália, mas eu não temo, porque sou cidadã italiana e lá eu sou intocável, a não ser que a justiça italiana me prenda”, disse em entrevista à CNN Brasil na ocasião.
No entanto, o artigo 26 da Constituição italiana prevê a possibilidade de extradição de cidadãos, exceto em caso de crimes políticos. “A extradição do cidadão somente pode ser permitida quando expressamente prevista pelas convenções internacionais. Em hipótese alguma pode ser admitida por crimes políticos”, diz o texto da lei italiana.
O caso do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado a 12 anos e 7 meses no Mensalão, é um exemplo de precedente. Ele embarcou para a Itália em setembro de 2013, após ter todos os recursos rejeitados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi extraditado em 2015. O procurador regional da República, Vladimir Aras, que atuou no processo de extradição de Pizzolato, afirmou que, diferente do Brasil, a Itália extradita nacionais “desde que estejam presentes os requisitos do artigo 26 da Constituição Italiana, que deixa claro quando se pode extraditar um cidadão italiano para fora da Europa”.
Aras era o secretário de cooperação internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR) durante o caso Pizzolato. “Todo mundo dizia na época que ele não poderia ser extraditado da Itália para o Brasil, porque tinha cidadania dupla ítalo-brasileiro”, relatou o procurador ao comentar as semelhanças do entre a situação de Carla Zambelli e Pizzolato em um vídeo divulgado no Instagram, no mês passado.
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Extradição de Pizzolato levou quase 2 anos para acontecer
Pizzolato, assim como Carla Zambelli, saiu do país pela fronteira da Argentina. Na época, ele utilizou o passaporte falso de um irmão morto há mais de 30 anos. O então presidente do STF, Joaquim Barbosa, hoje ministro aposentado da Corte, determinou a prisão do ex-diretor do Banco do Brasil em 15 de novembro de 2013.
Considerado foragido, Pizzolato acabou sendo descoberto na casa de um sobrinho na cidade de Maranello, no norte da Itália, e levado para a prisão de Módena, em fevereiro de 2014. No início de abril daquele ano, o Ministério Público italiano protocolou o pedido de extradição, chancelando a posição das autoridades brasileiras.
Os promotores italianos consideram que Pizzolato não sofreu nenhum processo político no Brasil, como argumentado pelo ex-diretor do Banco do Brasil na defesa que entregou no país europeu. Apesar do pedido conjunto, em outubro daquele ano, a Corte de Apelação de Bolonha negou a extradição, apontando “risco de o preso receber tratamento degradante no sistema prisional brasileiro”, e Pizzolato foi solto.
O governo brasileiro e o MP italiano recorreram da decisão. “Nós tivemos que desfazer a alegação de que todo o sistema carcerário brasileiro era uma masmorra. Claro que nós temos sérios problemas nas prisões do Brasil. Muitas são realmente horríveis, não atendem aos padrões mínimos de direitos humanos para a execução penal, mas algumas delas são prisões adequadas, especialmente no sistema penitenciário federal e em algumas outras unidades estaduais”, disse Aras.
Após uma longa batalha na justiça italiana, a Corte Europeia de Direitos Humanos, na França, rejeitou o último recurso apresentado pela defesa Pizzolato para que a extradição fosse suspensa no dia 6 de outubro de 2015. Duas semanas depois, ele desembarcou no Brasil escoltado pela PF.
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Caso Battisti mostra o peso da política na decisão
Cesare Battisti, ex-ativista da esquerda radical condenado por quatro assassinatos na Itália, se refugiou no Brasil em 2004 e só foi entregue às autoridades italianas em 2019. Apesar do Tratado de Extradição entre os dois países, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou a extradição do italiano no último dia de seu segundo mandato, em 2010. O caso mostra que no final das contas quem decide sobre a extradição é o chefe do Executivo.
Atualmente, a Itália é comandada pela primeira-ministra Giorgia Meloni, considerada mais alinhada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No último sábado (26), a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) afirmou ser uma “exilada política” na Itália. Em um vídeo, ela agradeceu ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por pedir a autoridades do país europeu que a recebam.
“Eu queria dizer que hoje acordei com uma notícia muito boa, que é um vídeo do Flávio Bolsonaro falando por mim, pedindo por mim para a Giorgia Meloni, para o Matteo Salvini, que é o vice-primeiro-ministro daqui, pedindo para que me recebessem porque sou uma exilada política, sou uma perseguida política no Brasil”, destacou a parlamentar.
No caso de Battisti, o ministro do STF Luiz Fux, relator do pedido de extradição apresentado pela Itália, mandou prender o ex-militante em 2018. Em seguida, o ex-presidente Michel Temer (MDB) assinou a ordem de extradição. A Polícia Federal fez uma série de operações para prendê-lo, mas Battisti só foi detido em janeiro de 2019 em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. De lá, foi enviado diretamente à Itália.
Para Aras, o caso Battisti mostra que o componente político é importante, mesmo quando há uma autorização judicial para a extradição. “É um ponto importante, porque em certo momento a Itália precisou do Brasil para extraditar um cidadão italiano acusado de cometer quatro homicídios num contexto de terrorismo no território italiano”, disse o procurador.
“O Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição de Cesare Battisti, que não é um cidadão brasileiro, apenas italiano, mas o governo brasileiro, usando a prerrogativa que é assegurada pela jurisprudência nacional, negou a entrega”, lembrou o procurador.
No ano seguinte, Lula disse se arrepender da decisão após Battisti admitir envolvimento nos homicídios. “Peço desculpas ao povo italiano, pensei que ele não era culpado, mas depois de sua confissão, só posso me desculpar […] Tomei a decisão baseado em uma orientação do Ministério da Justiça”, disse Lula, em entrevista ao programa de TV italiano TG2 Post. O ministro da Justiça era Tarso Genro.
À Folha de S. Paulo, o ex-militante criticou Lula em 2022. “Todos sabemos que Lula é capaz de tudo para colocar de novo a faixa de presidente. O animal político que nunca se contradiz. Aconteceu também comigo de admirar seu cinismo político (no sentido vulgar do termo) e o extraordinário jogo de cintura”, disse Battisti à época.
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