O cerceamento do discurso público do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), imposto por meio de decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ultrapassa a esfera judicial e muda a dinâmica da corrida eleitoral para 2026. Segundo analistas e parlamentares ouvidos pela reportagem, Bolsonaro manterá sua influência política, mas terá que articular e se comunicar de forma indireta. Sua capacidade de responder a narrativas e apoiar candidatos diretamente pode diminuir. Mas a luta pela anistia e a pauta de reequilíbrio dos poderes por meio do controle do Congresso pela oposição na eleição devem ganhar força e atrair votos.
Por ora, o ex-presidente se vê obrigado a atuar nos bastidores, articulando politicamente, enquanto a oposição busca alternativas para manter a coesão e a força eleitoral. As medidas cautelares impostas contra ele no processo do STF que investiga a atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos impedem que use redes sociais.
Em nova decisão emitida nesta quinta-feira (24), Moraes afirmou que Bolsonaro pode dar entrevistas, mas manteve em sua deliberação o risco do ex-presidente ser preso se suas declarações forem reproduzidas em redes sociais. Analistas afirmam que o foco do ministro é impedir que Bolsonaro instigue pelas redes sociais o presidente americano Donald Trump a agir contra ele e seus colegas do STF. Mas, na prática, a decisão deve fazer com que Bolsonaro fique em silêncio para não ser preso.
Analistas e parlamentares avaliam que Bolsonaro seguirá atuando, mesmo silenciado, por meio de interlocutores. Essa é a opinião, por exemplo, do cientista político e professor do Ibmec-BH Adriano Cerqueira. “Ele vai ser um nome muito importante e de algum modo ainda vai interferir, provavelmente de modo mais indireto, no processo político eleitoral do ano que vem”, afirma.
No mesmo sentido, o senador Magno Malta (PL-ES) sustenta que Bolsonaro não será neutralizado pelas restrições. “A tentativa de calar Jair Bolsonaro não neutraliza sua influência, pelo contrário, reforça a responsabilidade de nós, parlamentares, que comungam de seus ideais, sermos sua voz junto à população e à imprensa”, disse o senador à Gazeta do Povo.
As medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes também obrigam Jair Bolsonaro a usar tornozeleira eletrônica e o impedem de deixar o Distrito Federal. O ex-presidente também está submetido a recolhimento domiciliar noturno, das 19h às 6h de segunda a sexta-feira, e integral nos fins de semana, feriados e dias de folga.
Embora não estejam expressas, essas limitações na prática o impedem de uma participação ativa nas pré-campanhas e, mais à frente, das campanhas eleitorais. Em tese, ele não poderá viajar pelo país para ter contato com a população e fazer comícios.
“Se o ex-presidente não puder estar em palanques eleitorais e divulgando seus apoios em 2026, certamente haverá algum nível de prejuízo na estratégia do PL para candidaturas que não sejam de nomes já consolidados na política e identificados com Bolsonaro”, avalia Luan Sperandio, analista político e diretor de operações do Ranking dos Políticos.
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Silenciamento tem impacto na comunicação da direita, mas Bolsonaro deve manter articulação
Ao longo dos últimos anos, a direita brasileira consolidou-se como uma força política com forte presença digital e capacidade de comunicação direta com sua base. O “efeito Bolsonaro” se deu, em grande parte, por sua habilidade em pautar temas, mobilizar seguidores e gerar reações imediatas a partir de suas falas.
Vários de seus principais aliados, a exemplo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e do filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), utilizam as redes sociais como principal meio de comunicação, não só com o seu eleitorado, mas também com apoiadores de todos os estados do Brasil.
As restrições à sua comunicação ampliam o bloqueio ao principal canal de comunicação do ex-presidente e fragilizam sua função como catalisador do discurso oposicionista. A base da direita, privada da referência mais forte, teoricamente, tenderia a se dispersar, mas tem buscado estratégias para manter o capital político de Bolsonaro.
As manifestações convocadas pela direita para agosto e setembro terão como principal foco o “Fora, Moraes”, mas não deixarão de ter como pano de fundo a perseguição política a Bolsonaro. Assim, os aliados do ex-presidente se esforçam para manter seu líder como foco de atenção da população.
O impacto das restrições coloca Bolsonaro fora do debate público no curto prazo, já que ao responder a intimação do ministro Alexandre de Moraes, o ex-mandatário se comprometeu em não se manifestar até que todos os aspectos das restrições sejam esclarecidos. “Isso não quer dizer que ele não está se encontrando, conversando, deixando recomendações”, ressalva o cientista político Adriano Cerqueira.
Prova disso é que Bolsonaro tem mantido encontros com políticos nos dias que seguiram à imposição do uso da tornozeleira eletrônica. Na sede do PL, políticos como o senador Magno Malta tiveram encontros nos dias 22 e 23 de julho, quando a restrição a concessão de entrevistas também já estava vigente. “Sim, tenho mantido contato constante com o Bolsonaro, assim como outros colegas, porque ele é uma liderança política ativa e respeitada”, confirmou o senador à Gazeta do Povo.
Aliados de Bolsonaro devem manter plano de controlar Congresso
Diante de possíveis limitações à candidatura presidencial de Bolsonaro, devido à sua inelegibilidade até 2030 imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente e o PL querem construir uma bancada conservadora robusta para ter maioria no Legislativo em 2026.
O principal objetivo é eleger o presidente do Senado e assim equilibrar os Poderes da República. Isso porque os senadores têm a prerrogativa de realizar impeachments de ministros do Supremo.
A ideia defendida e externada em diversas declarações de Bolsonaro é formar uma frente que una setores do agronegócio, do empresariado, evangélicos e liberais, com o objetivo de disputar espaços no Congresso, Assembleias Legislativas e governos estaduais.
Para o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) o plano de Bolsonaro de ter maioria no Congresso não perde força diante da impossibilidade de se comunicar diretamente com o eleitorado. “Eu acho que pelo contrário. Acho que as pessoas cada vez mais estão vendo que o que está acontecendo: é uma caminhada violenta para questões ditatoriais. E eu tenho certeza que vai impulsionar ainda mais a direita nas urnas em 2026”, avalia o deputado.
Ainda, na avaliação do estrategista político Gilmar Arruda, a tendência é que a direita repita “no mínimo” os resultados eleitorais de 2022. Para ele, o campo político liderado por Bolsonaro deve ter “forte desempenho na representação no Senado e na Câmara”.
No contexto da eleição presidencial, a avaliação do cientista político Adriano Cerqueira é que o cenário político atual está “muito bagunçado”. Segundo ele, a crise diplomática que se concretizou com a carta do presidente dos Estados Unidos Donald Trump ao presidente Lula — que anunciou a imposição de tarifas de 50% ao Brasil a partir de agosto — alterou significativamente o ambiente pré-eleitoral de 2026.
O surgimento de várias candidaturas no primeiro turno de 2026, como ocorreu nas eleições municipais de 2024 é destacado como uma possibilidade. “É uma questão de mercado político. A direita é maior que a esquerda hoje, mas está fragmentada. Mesmo com algumas federações sendo ensaiadas, ainda deveremos ver um número razoável de candidatos”, avalia Cerqueira.
O dilema da liderança deve inviabilizar “passada de bastão” de Bolsonaro em 2026
A limitação imposta a Bolsonaro reacende a discussão sobre a necessidade de se encontrar ou não um novo rosto para liderar o campo conservador. Embora nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), surjam como opções viáveis, a ausência de uma figura com a mesma capacidade de mobilização e conexão emocional com a base é um desafio.
Michelle Bolsonaro vem se destacando como voz moderada e capaz de dialogar com setores específicos do eleitorado, como mulheres e evangélicos. Em paralelo, Eduardo também manobra para tentar levar o nome Bolsonaro para as urnas em 2026.
O cientista político Adriano Cerqueira ressalta que Tarcísio se manteve forte, inclusive após a recente crise com Eduardo Bolsonaro. “Houve ruído, mas o próprio Jair Bolsonaro interveio e acalmou os ânimos. Tarcísio continua próximo ao eleitorado bolsonarista”, pondera.
Bolsonaro, no entanto, não deve “passar o bastão”. A perspectiva é que aliados devem seguir fazendo o papel de transmitir suas mensagens ao eleitorado, mantendo seu capital político ativo. A estratégia deve ser usada especialmente diante do temor de que as restrições contra ele, classificadas como injustiça pelos aliados, caiam no esquecimento.
Mesmo silenciado, Bolsonaro mantém influência por meio de encontros e articulações de bastidores. Segundo Cerqueira, o episódio da tornozeleira eletrônica reforçou sua imagem como vítima do sistema — algo que ressoa fortemente com seu eleitorado conservador. “Ele vai interferir de algum modo no processo político. Mesmo calado, é uma peça importante”, resume.
No mesmo sentido, o deputado Marcon reforça que Bolsonaro segue mantendo conversas com seus aliados, quando discute os assuntos importantes e transmite seus desígnios. “Ele está silenciado em rede social, mas o [ministro] Alexandre Moraes não mandou cortar a língua dele”, disse.
O senador Magno Malta também afirma que o papel de articulação segue com Bolsonaro. “Seu papel como articulador segue firme, a menos que o ministro Alexandre de Moraes resolva agora proibi-lo até do exercício político dentro do partido”, frisou.
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