O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela absolvição do general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, em todos os crimes atribuídos a ele na chamada trama golpista.
O ministro rejeitou as acusações de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Para Fux, não há elementos suficientes para condenar o ex-ministro, que foi acusado de buscar apoio de outros chefes militares à conspiração. Sua defesa sustenta que Nogueira, ao contrário, teria tentado dissuadir Jair Bolsonaro de assinar decretos de exceção.

O magistrado frisou que cogitar um delito não configura crime. “Se uma pessoa em algum momento cogitou um delito, mas não levou adiante, não há crime”, afirmou. Segundo ele, o Código Penal não prevê punição para conspiração golpista, exceto em casos de terrorismo.
Relatório das urnas eletrônicas
Fux analisou também o episódio em que Paulo Sérgio chefiou uma força-tarefa militar para auditar as urnas eletrônicas. O relatório final, que não encontrou falhas no sistema, foi entregue com atraso, em movimento interpretado como tentativa de alimentar dúvidas entre eleitores bolsonaristas.
Embora considere a conduta “reprovável”, o ministro destacou que o atraso não pode ser entendido como ato executório voltado a abolir o Estado de Direito. “Ainda que se possa considerar as atitudes do réu reprováveis, não se pode considerar que tais atos consubstanciaram o início de execução dos crimes de abolição violenta do Estado e golpe de Estado”, afirmou.
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Divergência em relação a Moraes e Dino
O voto de Fux diverge do relator Alexandre de Moraes, que pediu a condenação de Nogueira por todos os crimes, com soma de penas, e do ministro Flávio Dino, que reconheceu a participação do general, mas defendeu uma pena menor.
Seguindo a linha que já havia adotado em relação a outros réus, Fux afastou a acusação de organização criminosa, sustentando que não houve estabilidade e hierarquia suficientes para caracterizar o tipo penal.
Ele também absolveu Nogueira das acusações de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado durante os atos de 8 de janeiro de 2023, por falta de provas de participação, ordem ou omissão do ex-ministro.
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Crimes absorvidos
Por fim, o ministro aplicou o princípio da absorção, defendendo que, caso houvesse crime, o de golpe de Estado deveria ser absorvido pela acusação de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Com isso, o voto de Fux reforça uma divergência central no julgamento: enquanto Moraes e Dino pediram condenação ampla dos oito réus do núcleo golpista, ele tem se posicionado de forma sistemática pela absolvição em pontos-chave.
O julgamento em andamento
A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na quarta-feira (10) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.
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Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram pela rejeição de todas as preliminares arguidas pelas defesas e pediram a condenação dos réus por todos os crimes imputados pela PGR. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.
Voto do ministro Alexandre de Moraes
Para o relator do processo, ficou comprovado que houve uma tentativa de golpe de Estado a partir de 2021, quando os primeiros atos preparatórios começaram a ser executados com o uso indevido de órgãos públicos, como a Abin e o GSI, para desacreditar as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário.
Moraes tratou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa hierarquizada, estruturada com divisão de tarefas e composta por militares e integrantes do governo federal. Segundo ele, o objetivo do grupo era garantir a permanência no poder “independentemente do resultado eleitoral”, utilizando instrumentos ilegais e atentando contra a democracia.
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O ministro rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas, mantendo a validade da delação premiada de Mauro Cid e das provas reunidas pela Polícia Federal. Ele ressaltou que não é necessário consumar o golpe para que o crime esteja configurado — os atos executórios já são suficientes para responsabilizar os envolvidos.
Para o ministro, as provas reunidas demonstram que o alvo central da conspiração foi o Estado Democrático de Direito, atacado de forma sistemática para minar as instituições e abrir caminho para a perpetuação do grupo político de Bolsonaro no poder.
Voto do ministro Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator Alexandre de Moraes e votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete réus da chamada trama golpista.
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Em sua fala, Dino rejeitou a tese das defesas de que as condutas seriam apenas “atos preparatórios”. Para ele, houve atos executórios concretos que configuram violência e grave ameaça, como bloqueios de rodovias, tentativas de fechar aeroportos e ataques às instituições. O ministro destacou que crimes de empreendimento — como golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito — não exigem consumação para serem punidos.
O magistrado também foi categórico ao afirmar que os crimes imputados aos réus são insuscetíveis de anistia, por envolverem ações de grupos armados contra a ordem constitucional. Dino rechaçou ainda a ideia de uma “autoanistia” em favor de altos escalões de poder, lembrando que nunca houve precedente desse tipo na história do país.
Ao analisar a participação de cada réu, Dino adiantou que as penas não devem ser iguais, pois os níveis de culpabilidade variam. Bolsonaro e Walter Braga Netto foram apontados como líderes da organização criminosa, com maior responsabilidade. Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid também foram classificados com alta culpabilidade, enquanto Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira tiveram participação considerada de menor importância.
Próximos passos
O processo segue agora para os votos dos ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Cada voto será dividido em duas etapas: primeiro, a análise das preliminares — como a validade da delação de Mauro Cid e a competência do STF; em seguida, o mérito, com a avaliação das provas apresentadas pela PGR.
A decisão final será tomada por maioria simples. Caso confirmada a condenação, a definição das penas será discutida em fase posterior.
Quem são os réus
Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.
Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.
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