As decisões de um juiz federal dos Estados Unidos ao obrigar o Google a compartilhar dados sobre sua ferramenta de pesquisa e proibir contratos exclusivos pode ser tão importante para todo o setor quanto para a companhia em si. O resultado, menos turbulento do que poderia se esperar, ainda gera dúvidas sobre o futuro das buscas online e a força das startups de inteligência artificial para brigar contra seus pares consolidados.
Em um processo movido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos contra a Alphabet (GOGL34), controladora do principal mecanismo de busca do mundo, o órgão argumentou que o Google teria violado a regulamentação contra monopólios para manter seu buscador dominante no mercado.
Desde que a concorrente Microsoft (MSFT34) enfrentou a corte entre o fim dos anos 1990 e o começo dos 2000 no caso que avaliou práticas anticoncorrenciais no mercado de computadores, nenhuma das gigantes da tecnologia voltou a enfrentar algo parecido. Naquela época, um juiz avaliava se contratos da Microsoft com fabricantes de computadores pessoais e serviços de internet para priorizar seus programas afrontariam legislações contra monopólios.
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A decisão? Sim, a Microsoft adotava práticas anticoncorrenciais. Acordos da companhia com empresas fabricantes de computadores pessoais as obrigavam a não oferecer navegadores concorrentes sob o receio de que eles pudessem enfraquecer a força do seu sistema operacional, o Windows, líder da indústria dos PCs na época.
Semelhanças com o caso do Google não se restringem ao fato de serem os dois únicos em que o governo venceu uma gigante do setor de tecnologia acusada de burlar diretrizes concorrenciais. Parte do processo movido pelo Departamento de Justiça argumentava que os contratos da Microsoft com desenvolvedoras que utilizavam sua tecnologia em dispositivos e navegadores inviabilizavam o uso de rivais.
É o motivo pelo qual o juiz Amit Mehta, responsável por julgar o caso da Alphabet, decidiu proibir que o Google firme contratos exclusivos. Em uma das suas negociações, o Google fechou um contrato estimado em US$ 20 bilhões ao ano com a Apple (AAPL34) para tornar seu buscador o padrão nas consultas via o navegador Safari.
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Em um memorando de opinião publicado em 2023, Mehta chegou a utilizar o caso envolvendo a Microsoft como um exemplo de padrão legal para casos de monopólio no setor.
Mas há uma diferença aí. A lógica dos contratos da Microsoft não passava por pagar uma bolada pela exclusividade, mas simplesmente recusar fechar acordos com empresas que não aceitassem exclusividade de seus programas.
O acordo fechado pela empresa com a justiça em 2011 impôs diversas restrições aos negócios com o sistema operacional Windows e o compartilhamento de interfaces de programação de aplicativos com empresas terceirizadas, bem como uma espécie de conselho de governança independente. Ao longo das últimas décadas, especialistas defenderam que as medidas podem ter ajudado a garantir um ambiente de competição para a expansão de startups como o próprio Google no início dos anos 2000.
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A IA pode ter virado o jogo?
Parte da dúvida agora gira em torno do real efeito dos remédios contra a Alphabet: a companhia, que corria o risco de ter que separar braços como o Android ou Chrome, sofreu restrições menos severas. Desde a divulgação das decisões do juiz Mehta, as ações da empresa saltaram mais de 11%.
A princípio, o Google precisa compartilhar informações sobre o seu mecanismo de busca com outras empresas, o que pode privilegiar concorrentes consolidados como a própria Microsoft e também startups de inteligência artificial que ameaçam o modelo de negócio da empresa, como a OpenAI.
Desde a explosão do ChatGPT, da OpenAI, o modelo de negócios do Google, baseado em anúncios no seu mecanismo de busca, se tornou motivo de receio no mercado. Investidores institucionais não desprezam a possibilidade de que a inteligência artificial generativa possa causar uma ruptura no hábito de buscas online nunca antes previsto pela Alphabet.
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“Quando a decisão judicial fala em compartilhar com concorrentes, temos que aguardar alguma especificação para saber quem serão os concorrentes com acesso, e que tipo de dados serão compartilhados”, diz o especialista em inteligência artificial e professor da FGV, Kenneth Corrêa.
Para especialistas ainda não é claro se os remédios propostos na decisão contra a Alphabet serão capazes de abrir caminho para que a própria OpenAI, ou concorrentes como Perplexity e Anthropic, sejam capazes de destronar a Alphabet — que também tem o seu próprio chat de IA, o Gemini.
Quando um executivo da Apple deu seu testemunho durante o julgamento do Google, ele argumentou justamente que o sucesso de ferramentas de inteligência artificial generativa estaria reduzindo o risco concorrencial em torno do buscador. A IA “mudou o curso deste caso”, escreveu Mehta em sua decisão, segundo publicação do New York Times.
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