
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou nesta quinta-feira (24) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a pagar R$ 150 mil em danos morais coletivos por uma entrevista de 2022, na qual falou que “pintou um clima” ao encontrar adolescentes venezuelanas. A defesa de Bolsonaro pode recorrer.
A 5ª Turma Cível do TJDFT decidiu, por 3 votos a 2, reformar a sentença da 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF, que havia rejeitado o pedido do Ministério Público. O MP acusou Bolsonaro de suposto uso indevido de imagens de crianças, sem autorização específica para fins políticos, além de declarações públicas com insinuações sexuais sobre adolescentes migrantes venezuelanas.
No pedido inicial, os procuradores pediram uma indenização no valor de R$ 30 milhões, mas a primeira instância rejeitou a ação por considerar que não houve ilicitude na conduta do ex-presidente. Em seguida, o MP recorreu.
Em outubro de 2022, o então presidente da República disse que, durante um passeio de moto pela comunidade de São Sebastião (DF), avistou meninas de 14 e 15 anos e que “pintou um clima” antes de pedir para entrar na casa delas. A declaração ocorreu durante uma entrevista a um canal no YouTube.
“Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para que? Ganhar a vida. Você quer isso para a sua filha que está nos ouvindo agora?”, disse Bolsonaro à época.
Em meio a campanha eleitoral, o ex-presidente pediu desculpas para as menores venezuelanas por suas declarações que, segundo ele, foram tiradas do contexto e usadas politicamente por militantes de esquerda. Os advogados de Bolsonaro afirmaram que houve “descontextualização” de suas palavras e defenderam o exercício da liberdade de expressão, destacando que “não houve intenção de estigmatizar ou discriminar as adolescentes”.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a defesa do ex-presidente, mas ainda não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
O desembargador Fábio Eduardo Marques, relator do caso, defendeu a manutenção do entendimento da primeira instância, argumentando que “não se evidenciou dolo discriminatório, e sim uma crítica genérica à crise humanitária venezuelana”. Além disso, Marques alegou que a “ausência de prova do impacto social das falas ou de sua repercussão efetiva na dignidade das adolescentes enfraquece a tese de dano moral coletivo”. A desembargadora Lucimeire Maria da Silva acompanhou o entendimento do relator.
A desembargadora Leonor Aguena abriu divergência e afirmou que as declarações “carregam um viés intrinsecamente problemático e profundamente prejudicial” e, por terem sido ditas pelo presidente da República, estigmatizam “gravemente adolescentes em situação de extrema vulnerabilidade, associando-as, de forma pejorativa e leviana, à exploração sexual”.
“A insinuação de que meninas ‘arrumadas’ em uma área periférica estariam ‘ganhando a vida’ por meio da prostituição é uma forma inaceitável de discurso de ódio que rebaixa a dignidade humana a patamares indignos em uma sociedade que se pretende civilizada e justa”, disse a desembargadora.
Leonor destacou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e irrestrito, pois “seus limites são traçados pela proteção da dignidade humana, da honra, da intimidade e do direito à não discriminação”. Segundo a magistrada, “discursos que incitem o preconceito, a discriminação ou a violência contra grupos minoritários ou vulneráveis não são amparados pela liberdade de expressão e configuram ilícito”.
O processo também trata da divulgação de imagens de uma visita de crianças ao Palácio do Planalto. Na ocasião, Bolsonaro interagiu com as crianças e reproduziu o gesto da “arminha”, símbolo difundido na campanha. Para a desembargadora, a “inserção de crianças em um contexto de interação com figura pública de grande visibilidade, que utiliza um gesto com forte conotação político-ideológica, é profundamente prejudicial ao seu desenvolvimento sadio e à formação de uma cultura de paz”.
“A utilização da imagem de crianças para angariar apoio político, sem a devida permissão para tal finalidade, constitui ato ilícito que merece a devida e exemplar reparação, afetando a coletividade que, legitimamente, preza pela proteção intransigente dos direitos infanto-juvenis”, destacou.
As desembargadoras Ana Cantarino e Maria Ivatônia acompanharam a divergência. Leonor estabeleceu que a indenização será revertida ao Fundo da Infância e da Adolescência do Distrito Federal e fixou multa de R$ 10 mil por cada descumprimento das seguintes obrigações:
- a) Abster-se de utilizar imagens de crianças e de adolescentes em material publicitário, vídeos, lives e/ou qualquer meio audiovisual sem prévio conhecimento e autorização dos responsáveis legais;
- b) Abster-se de constranger crianças e adolescentes em eventos públicos a reproduzirem gestos violentos, a exemplo de reproduzirem o gesto de “uso de arma”, por violação expressa aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente;
- c) Abster-se de empregar conotação sexual a quaisquer situações envolvendo crianças e adolescentes, mediante palavras, gestos ou ações que as estigmatizem, as exponham ou as submetam a associação com práticas sexuais;
- d) Pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a ser revertido ao Fundo da Infância e da Adolescência do Distrito Federal ou Fundo Nacional equivalente, ou, ainda, projetos ou ações de promoção de direitos da infância a serem indicados pelo Ministério Público, nos termos do artigo 13 da Lei 7347/85.
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